Publicamos a seguir algumas reflexões sobre São José. O autor delas é Mons. Juan Antonio Reig Pla, bispo de Alcalá de Henares (Espanha). Que sirvam como homenagem deste site, dedicado à promoção da família, ao Patriarca da Sagrada Família!
Servimo-nos da versão publicada em InfoCatolica. Dada a extensão, tivemos que fazer alguns cortes.
1. Mestre da vida interior
Os evangelhos não recolhem nenhuma palavra de São José. É o homem do silêncio e da vida interior, que acolhe o anúncio do anjo e obedece imediatamente.
O anjo lhe disse em sonho:
“Não temas acolher Maria, tua mulher, porque o ser que foi gerado nela é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará seu povo de seus pecados”.
“Quanto José despertou, fez o que lhe havia mandado o Senhor, e acolheu a sua mulher” (Mt. 1, 20-24).
Há hoje um grande déficit de vida interior. A ausência de Deus e a crise da verdade deixam o homem vazio, à mercê dos sentimentos e das emoções. Assim se explica que haja tantos dominados pela pornografia, o espetáculo e a multidão de imagens e vozes que distraem o espírito.
Sem o silêncio interior, o homem acaba por não se conhecer a si mesmo, e se incapacita para a virtude e para as grandes obras: a magnificência.
2. Modelo de Pai
Quando o anjo lhe comunica que Maria dará à luz um filho, confia a José a missão de pai: “por-lhe-ás o nome de Jesus”. Colocar o nome é função confiada ao pai.
José exerceu a missão como um varão justo e sendo um honrado trabalhador.
Hoje, estamos imersos em uma sociedade em que, desde há anos, vivemos o “ocaso do pai” e a perda da “autoridade”.
Este “ocaso do pai” se dá tanto na família como nas instituições educativas e no governo dos povos e da nação.
A crise da verdade, a irrelevância da razão débil para enfrentá-la, produziram uma crise profunda da autoridade. A autoridade deve ser serviço prestado à verdade, do contrário se transforma em domínio, despotismo ou tirania.
Por isso, a renúncia a buscar a verdade se traduz na “ditadura do relativismo” – toda opinião vale igualmente –, na arbitrariedade dos que nos governam, propondo leis iníquas que provocam a desconstrução do verdadeiramente humano e a ruína da alma.
Assim se explicam a destruição permanente da vida inicial com o aborto ou a proposta da eutanásia na fase enferma ou terminal. Do mesmo modo seguem sendo propiciadas leis permissivas que não respeitam a identidade humana.
Na base de tudo isso está o colapso da mente que tenha sido conquistada por uma razão “simplesmente instrumental”, que se desenvolve com a técnica e a tecnologia que se apresentam como a verdadeira “salvação”.
Esta ausência do pai e a “crise da verdade” conduzem a uma sociedade nihilista onde a liberdade humana, em vez de reger-se pela inteligência unida à verdade, transforma-se em um feixe de instintos e emoções que acabam escravizando ao homem sob os quesitos da “espontaneidade” e da “autenticidade” que servem habitualmente de camuflagens da mentira.
O direito-dever da educação
Jesus se submeteu em tudo a seus pais com obediência e com isso ratifica a autoridade dos pais para a educação de seus filhos. É um direito que lhes é originário, e não pode ser subtraído pelo Estado como se pretende [nas leis de educação modernas].
Os pais têm direito a educar a seus filhos por lhes ter dado a vida cooperando com Deus.
“O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, relacionado que está com a transmissão da vida humana; como originário e primário, com respeito ao dever educativo dos demais, pela unicidade da relação de amor que subsiste entre pais e filhos; como insubstituível e inalienável e que, por conseguinte, não pode ser totalmente delegado ou usurpado por outros” (Familiaris consortio, 36).
Jesus abre a educação à transcendência religiosa, e recorda a José e Maria que a família está aberta ao Reino de Deus, e Ele deve ocupar-se das coisas de seu Pai do Céu. Daí a importância da liberdade de culto [ao verdadeiro Deus] e religião [verdadeira] no âmbito público e privado.
3. Testemunho de castidade
Habitualmente, quando nos referimos a São José, chamamo-lo “o casto” ou “o castíssimo” São José.
Do mesmo modo que José, vendido por seus irmãos, os filhos de Jacó, foi modelo de governante como Vice-Rei do Egito, depois de superar as tentações da mulher de Putifar, São José é testemunha da castidade com que viveu junto de Maria sua esposa.
Em todo momento como esposo, ele reconheceu e respeitou a Maria como Arca da Nova Aliança, vivendo com Ela uma conjugalidade governada pelo espírito.
O desprezo e o esquecimento da castidade é outro dos grandes déficits de nossa cultura e de nossa sociedade. A castidade é uma grande virtude pessoal e social. Como toda virtude, concede uma capacidade para fazer o bem e de maneira imediata.
Neste caso, a castidade modera os dinamismos instintivos e as emoções, para, mediante o autogoverno e o autodomínio do espírito, dirigir a liberdade para a verdade do amor e o bem.
A castidade e o dom total
A castidade não anula os impulsos do instinto nem as emoções. Estas são o aparelhamento humano para a ação, porém necessitam ser guiadas para a promoção do próprio bem pessoal, o respeito às demais pessoas e à fidelidade conjugal que é a chave da aliança da vida conjugal.
[…] Sem a castidade não se chega à união de amor. A pessoa do outro é usada como um meio de satisfação. Pela castidade, uma pessoa se “possui” não para dar algo que ela tem – tempo, dinheiro, desejo de satisfação – mas para dar-se a si mesmo como pessoa com um amor total.
No âmbito da virgindade e do celibato pelo Reino dos céus, a virtude da castidade consolida a vocação ao amor mediante a renúncia plena e perfeita para radicalizar e universalizar o amor.
Assim o dizia São Paulo: “Porque, sendo livre como sou, fiz-me escravo de todos para ganhar ao maior número possível” (Mt 19,12). Em todo caso se trata de um dom, uma graça que se concede a alguns que tornam visível a Cristo pobre, casto e obediente e anunciam a beleza do céu que está por vir.
Também a virgindade e o celibato são vocação ao amor total.
Castidade é liberdade
Quem não é casto não alcança a liberdade para o bem, acaba sendo um escravo tomado de uma “cegueira espiritual” que o impede de ver o “inteligível” da realidade. A ausência da castidade gera personalidades arbitrárias, violentas e cheias de veleidades.
Por isso é essa uma virtude que deve acompanhar todas as pessoas, especialmente as que têm responsabilidades educativas e de governo.
Aqueles que desprezam a castidade traduzem-na como repressão do impulso dos instintos. Pelo contrário, trata-se da virtude da integração: ela integra no ato livre de autogoverno os dinamismos físicos-biológicos e psíquicos nos dinamismos espirituais da inteligência e na liberdade.
O homem casto é o homem livre para o dom de si, porque se possui a si mesmo.
O homem sem castidade é um escravo, não conduz sua vida mas é conduzido pelos estímulos de uma sociedade pansexualista como a nossa.
Neste contexto, a figura de São José é toda uma proclamação do triunfo do espírito que conduz a liberdade para o dom e não para o domínio ou a violência.
Quem não é casto está dominado pelo prazer e pela utilidade que, até quando legítimos, não atingem o amor à pessoa por si mesma respeitando sua dignidade. O bem moral da castidade não usa a ninguém, e ama a pessoa enquanto pessoa.
A castidade é a verdadeira guardiã do amor.
4. Protetor da família e da Igreja
O sinal que o anjo deu aos pastores e a todo o povo de que havia chegado o “Salvador” foi o seguinte: “Aqui tendes o sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado num presépio” (Lc 2,12).
O nascimento do Menino Jesus é o triunfo da cultura da vida. O Filho de Deus, em sua encarnação, uniu-se de certo modo a todo o gênero humano. Esta é a cota mais alta da dignidade de toda vida humana.
O homem não só foi criado “à imagem e semelhança de Deus” e não dos animais, mas o próprio Filho de Deus se fez homem e nos convida a sermos filhos de Deus no Filho unigênito.
Desde o nascimento de Jesus como Salvador, desata-se toda a fúria do mal e a cultura da morte. Herodes quer matar o menino e provoca a morte dos Santos Inocentes.
José se destaca como protetor da Sagrada Família e protege Maria e seu Filho fugindo para o Egito e aceitando o exílio. Anos mais tarde, exercerá esta missão continuando sua guarda no lar de Nazaré.
Protetor da família
Por esta missão, o Magistério colocou São José como protetor da família humana e da família dos filhos de Deus: a Igreja. Daí a importância de invocar a São José ante os embates da “cultura da morte” que nos invade por toda parte com o aborto, a eutanásia, a manipulação e destruição de embriões, etc.
Do mesmo modo, temos de invocar a proteção de São José para nossas famílias de tal maneira que os matrimônios não se rompam nem reine a infidelidade.
Com São José, superaremos a “mentalidade divorcista” que se apresentada como porta-voz da liberdade quando na realidade está negando a verdade do amor e a grandeza da fidelidade que é um dom de Deus recebido no sacramento do matrimônio.
O sacramento do matrimônio dá aos esposos o mesmo amor de Cristo pela Igreja manifestado na Cruz. Trata-se de um amor que rompe a dureza de coração e possibilita um amor fiel e exclusivo até a morte.
Este é o evangelho do matrimônio, que supera a concupiscência como amor desordenado e garante o bem das pessoas, das famílias e da própria sociedade.
Trata-se de um amor aberto à vida, porque supõe o dom total das pessoas como cooperadoras de Deus criador, que é o autor da vida a qual recebemos sempre como um dom.
O inverno demográfico por que passa a humanidade é um mal presságio que nos conduz a uma sociedade débil, envelhecida e dominada pelo multiculturalismo que obscurece nossa identidade católica e nosso patrimônio espiritual.
Protetor da Igreja
Do mesmo modo que custódio da Sagrada Família, São José é protetor de nossos seminários onde se cultivam as vocações sacerdotais que devem guiar como pastores santos a Santa Igreja Católica.
O Patriarca São José é protetor da Igreja e, como ele, os sacerdotes devem vigiar virginalmente aos filhos de Deus edificando, pela graça de Deus, o povo santo de Deus.
Do mesmo modo que São José custodiou sua esposa, obra de Deus, imaculada desde o princípio, os sacerdotes devemos viver nosso desponsório com a comunidade cristã presenteada por Deus sem mancha nem ruga (Ef. 5). Nós devemos nos entregar a ela com um amor de consagração conjugal.
Que a Virgem da Vitória de Lepanto e o Patriarca São José nos concedam esses dons e nos guiem no caminho do céu com todos os Santos e Bem-Aventurados. Com minha bênção.
Juan Antonio Reig Pla
Bispo Complutense
17 de março de 2021
Ano de São José e de Nossa Senhora de Lepanto
Deixe um comentário