NOSSA SENHORA DE LAS LAJAS, UM MILAGRE PERMANENTE

Detenha-se o leitor na consideração desta fisionomia da Santíssima Virgem. Porte majestoso, régio, ao mesmo tempo maternal, acessível. Fronte reluzente de uma superior inteligência. Nariz encantador com traçado firme. Lábios bem talhados que denotam decisão. Cabelos negros característicos de uma latino-americana. Sobrancelhas altas, emoldurando olhos igualmente negros, penetrantes, que parecem sondar as regiões recônditas da alma de quem os fita. Mas ao mesmo tempo, revelam a grandeza dAquela que é Esposa do Divino Espírito Santo. Tudo aí é bem proporcionado, manifestando um superior equilíbrio. E o Menino Jesus segura um cordão, parecendo distrair-se com ele a fim de que as atenções se voltem com mais empenho para a Medianeira de todas as graças.

Quem teria pintado com tanta maestria este quadro? Em que museu famoso estará ele exposto?

Pintou-o não um artista comum, mas celeste mão, talvez de um Anjo, tendo sido a milagrosa obra de arte descoberta em meados de século XVIII. E como tela escolheu lajes brutas de um desfiladeiro ignoto da Colômbia, nas cercanias da cidade de Ipiales, penetrando-as com misteriosa tinta que, ainda que se raspe ou talhe profundamente a pedra, lá se encontram sempre as mesmas cores e matizes.

Este é o milagre estupendo, permanente, que se pode observar em Las Lajas, o Santuário onde se encontra a referida obra prima do celeste Autor.

Quer saber mais sobre esta maravilha? Leia a história a seguir.

Nossa Senhora de Las Lajas,

um milagre permanente

A misericordiosa predileção da Mãe de Deus pelas terras americanas é o testemunho da recompensa dada por Ela a uma Fé heroica que se formara na Península Ibérica durante 800 anos de luta contra o mouro invasor, e que encontrara aqui, na alma do aborígene, um vaso no qual a Providência a quis depositar.

Do México à Patagônia, não existe nação que tenha deixado de receber favores especiais de Nossa Senhora, que se manifestou em uma ou várias aparições, e socorreu nas horas cruciais a ação missionária nestas terras.

Com frequência, a situação difícil para o missionário coincidia com a intervenção da Rainha dos Apóstolos, consolidando a obra de seus zelosos servidores.

E não era de qualquer modo que essa intervenção se dava.

Aos olhos de nossos povos, apresentou-se ela com faustos e esplendores nunca antes conhecidos, deixando claro que veio presidir do alto a História da América Latina.

Foi assim que, no século XVIII, nos imponentes penhascos de Cañón del Guáitara, em atual território colombiano, apareceu a Virgem Santíssima para ser Rainha das almas da região como também de todas aquelas paragens.

História de uma predileção

Maria Mueses de Quiñones, descendente dos caciques do Potosi, descia da localidade de Ipiales para suas terras, quando foi surpreendida por forte tempestade. Nas ladeiras de Las Lajas viu-se obrigada a refugiar-se numa gruta. Atormentava-a não somente a inclemência do temporal, mas também a lenda que dizia ser o demônio dono e senhor daquele lugar.

Invocando a Virgem do Rosário, sentiu que lhe tocavam nas costas como para chamá-la. Sobressaltada, fugiu.

Dias depois, de regresso pelo mesmo trajeto, sentou-se para descansar, não sem temor, numa pedra que servia de banco perto da cova. Levava nas costas sua pequena filha Rosa, surda-muda de nascimento.

Ocorreu então o primeiro milagre. “Mãezinha, veja esta mestiça que se desprendeu do penhasco com um mestiçozinho nos braços e dois mestiçozinhos ao lado!“, exclamou Rosa, que rapidamente deslizava das costas da mãe para subir nas pedras da cova.

Maria, aterrorizada, apanhou sua filha, e, sem querer averiguar mais nada, novamente fugiu do misterioso lugar.

Houve estupefação geral entre seus conhecidos do lugarejo de Potosi, quando Maria lhes narrou o ocorrido. Ávidos do sobrenatural, os indígenas a ouvem, a interrogam e comentam entre si o singular acontecimento.

Entrementes, Rosa desaparecera e sua mãe não conseguia encontrá-la. Lembra-se então do chamado da “mestiça” e dirige-se rumo à gruta.

Ali estava a filha brincando com o Menino Jesus, ajoelhada aos pés da Virgem, que era ladeada por São Francisco e São Domingos. Então, já sem medo, a mãe da menina ajoelha-se também e venera Nossa Senhora.

Informados a respeito da aparição, seus amigos de Potosi acorreram para venerar a “mestiça”, estampada numa laje da gruta.

Nossa Senhora fez um novo e espetacular milagre, que deu ensejo a que a notícia de sua presença maravilhosa se estendesse pelas margens rochosas do rio Guáitara.

Rosa morreu pouco tempo depois. A atribulada mãe correu então com o cadáver da filha nos braços, em busca da Virgem. Lembrou-Lhe os desvelos de Rosa para levar-Lhe círios e flores, e rogou a Nossa Senhora que lha restituísse com vida. A Rainha do Céu e da terra atendeu-a operando a ressurreição da filha.

Tal acontecimento levou Maria a contar essas ocorrências a seus patrões da cidade de Ipiales. Estes, comovidos, dirigiram-se com Sacerdotes e pessoas distintas ao lugar da aparição.

Constatados os fatos, prolonga-se até nossos dias o entrelaçamento magnífico da veneração do povo com as graças celestiais. Eis a história da aliança entre Nossa Senhora de Las Lajas e os devotos daquelas terras, selada com enorme quantidade de placas de reconhecimento que hoje cobrem as pedras adjacentes ao Santuário ereto no privilegiado lugar.

O Santuário: “Ela inspirou o projeto”

Quando o viajante entra em Nariño (Estado colombiano que faz fronteira com o Equador), começa a descobrir uma Colômbia quintessenciada: suas cadeias montanhosas revestidas de escarpas de cores matizadas; seus céus, onde os ventos brincam com as nuvens brancas no firmamento azul sem nunca repetir os formidáveis desenhos que compõem; o caráter definido e penetrado de tônus católico de seu povo, que ilustra a história do pais vizinho com áureas páginas de Fé e heroísmo; suas aldeias, suas cidades, seus campos, nos quais ainda ressoa o eco de palavras de vida eterna pronunciadas pelo Beato Ezequiel Moreno Diaz; e uma atmosfera rica em imponderáveis, que nos faz como que navegar numa bênção singular, como se a alma apalpasse o divino, quando os olhos deslumbrados divisam — qual uma explosão de esplendor —, umas torres de pedra que escapam da atração provocada pelo precipício.

É nesse cenário que se encontra o santuário edificado em honra de Nossa Senhora de Las Lajas.

Como se construiu em lugar tão agreste um monumento de tal maneira estupendo? “… trata-se hoje de levantar à Grande, Senhora um templo espaçoso e belo. Mas onde? No ar, se assim posso exprimir-me. Como? Com a ajuda de Nossa Senhora de Las Lajas. Ela inspirou o projeto“.

Essas palavras do Beato Ezequiel Moreno, então Bispo de Pasto, capital de Nariño, pronunciadas em 5 de agosto de 1899, foram suficientes para detonar a Fé e o arrojo dos colombianos.

Santo Ezequiel Moreno

E nasceu assim, ante nossos olhos, uma flor de pedra, crescida do mais profundo do abismo, sem deixar-se intimidar pelas águas caudalosas nem pelo escarpado dos penhascos. Elevando-se com a categoria do harmonioso estilo gótico até o ápice de suas agulhas que nos colocam na perspectiva do infinito.

Lá, onde Deus parecera ter escolhido, entre todo o universo material, o lugar para estampar a assinatura em sua obra prima, reinam a paz e o recolhimento. O peregrino o sente inclusive antes de ingressar no local do milagre.

O silêncio profundo é melodicamente interrompido pelo ruído da água que cai espetacularmente do alto de uma rocha para os caudais do Guáitara. As inúmeras pombas de dorso em tornassóis voam em círculo, deleitando-se com a espuma prateada que salpica de suas penas. De vez em quando, uma após outra penetram no templo, e batendo asas por entre as ogivas, vão pousar no alto dos capitéis. Acompanham seus arrulhos o crepitar do fogo nos círios e o suave murmúrio de lábios que oram. Os raios do sol filtram-se pelos vitrais coloridos, multiplicando seus efeitos pela nave inteira. Tudo é apenas um marco. No fundo, o celestial olhar da Senhora emana da pedra, absorvendo qualquer outra realidade.

Nos olhos da Rainha, a verdadeira e autêntica América Latina

Ao longo dos dois mil anos em que a Igreja se estendeu por todo o orbe, pode-se observar uma tendência muito frequente nos artistas, que ao conceberem suas pinturas, esculturas, vitrais, etc., modelam a fisionomia de Nossa Senhora de acordo com o tipo físico das mulheres da época e da região em que viveram.

As imagens mais antigas dEla assim o atestam. Nas origens da Igreja, prevalecem as fisionomias de tipo mediterrâneo. Estendendo-se a Religião Católica pelos povos nórdicos, aparecem as imagens loiras, de olhos azuis.

A adequação das imagens ao tipo fisionômico do povo que as concebe é do agrado de Nossa Senhora. Provam-no o fato de que, quando Ela mesma se quis imprimir milagrosamente em alguma matéria para perpetuar a memória de uma aparição, ou quando o vidente narra ao artista que traduzirá na pintura ou escultura o que viu, percebe-se que a Santíssima Virgem respeita essa espécie de regra.

Na América, por exemplo, Nossa Senhora de Guadalupe toma feições de mexicana para estampar-se na vestimenta do índio Juan Diego. Aí pode ser vista pisando a lua e ofuscando o sol escondido atrás de Si. Sol e lua, os deuses dos índios aztecas! E a visão desta tão poderosa Senhora, que sobrepujava seus ídolos, foi decisiva para a conversão dos índios mexicanos.

Na Colômbia, Nossa Senhora de Las Lajas é um milagre análogo. Deus operou ali o prodígio de estampar numa rocha, a figura de sua Mãe. Quem negará a atmosfera densamente sobrenatural que a rodeia, própria das imagens pintadas pelos anjos?

Ante Ela, por pouco aguçado que seja o sentido de observação, se exclamará imediatamente: “Como é latino-americana!” Algo de muito essencial, um reflexo das qualidades e virtudes desse povo, está expresso em Nossa Senhora de Las Lajas.

Mas, o que nos diz essa fisionomia?

Peregrinemos nela. Constatamos uma grande personalidade. Um olhar profundo, inteligente, de pessoa meditativa e recolhida. Há nela extraordinária estabilidade, solidez, continuidade de vontade e temperamento. Sua calma lembra uma frase do poeta inglês Elliot, referindo-se a uma dama mitológica: “Bela Senhora dos rochedos e das situações“. Nada A estremece ou A agita. Não se vê nEla arrogância ou pretensão, mas sim o domínio de quem está habituada a fazer sua vontade. Ela é régia como poucas imagens de Maria. Não poderia possuir melhor manto do que sua longa, abundante e formosa cabeleira. O colorido e a riqueza do traje são os de uma Rainha.

Ela é extremamente bondosa e maternal. Como o Menino Jesus sente-Se bem em Seus braços! Que trono seria mais digno? Ele está quase em atitude de brincar, com liberdade de criança.

É curioso notar a relação entre a Mãe e o Filho. Normalmente as imagens apresentam-nos olhando-Se mutuamente. Em Las Lajas não. Tão grande é o hábito de estarem juntos, que não é necessário se olharem para prestar atenção. Ela dirige seus olhos ao povo latino-americano: atende súplicas, orienta e comanda. O Menino, enquanto isso, entra na intimidade com os que chegam aos pés da Rainha. Rainha que deixa transparecer em seu olhar bondade tão excelsa que nos move a nEla confiar por inteiro.

 (Revista CATOLICISMO N° 345 – Setembro de 1979)

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