Ítalo Nóbrega
Sou católico praticante, vou à Missa, com frequência me confesso e comungo, dou esmolas. Enfim, faço tudo que um bom católico faz, mas não tenho nada contra quem pratica outra religião. Respeito os outros e trato-os bem, pois cada um deve escolher a igreja que mais lhe agrade, conforme a sua própria vontade.
Acho bom o casamento monogâmico e indissolúvel, mas se não deu certo, é melhor cada um ter nova oportunidade (ou várias) para ser feliz. Cada um deve se preocupar é com a excessiva imoralidade na família, com as violências sexuais.
Não se deve abordar o problema do homossexualismo com as crianças, pois elas ainda não têm maturidade para entender essas coisas. Mas não condeno quem pratique o homossexualismo, pois quem sou eu para julgar?
E as drogas? E o aborto? Defendo o direito à vida, mas há tanta facilidade para se usar anticoncepcionais, que uma gravidez indesejada não precisa acontecer; e não acho conveniente interrompê-la, caso se apresente depois de um descuido.
Quero deixar bem claro que não sou e não quero me passar por radical.
* * *
Calma, caro leitor, não defendo essas ideias, todas condenáveis pela moral católica tradicional. Aliás, se as defendesse, não estaria escrevendo nas páginas de Catolicismo. Apenas apelei à minha fantasia para retratar a mentalidade de muitíssimos católicos de hoje, mesmo alguns que se consideram praticantes. É difícil encontrar atualmente, dentro ou fora da Igreja Católica, quem não pense de forma semelhante em pelo menos algum desses temas.
Imagino que o leitor perceba facilmente o nexo profundo entre esses pontos, que pode ser resumido em uma palavra: relativismo. Tomado em seu sentido filosófico, o relativismo adota como um de seus pressupostos a impossibilidade de se alcançar pleno conhecimento sobre a realidade tal como ela é. O que conhecemos através dos sentidos seria mera aparência, sendo-nos impossível conhecer o objeto em toda a sua complexidade.
Um mundo sem o senso de contradição
Para os relativistas, qualquer conhecimento adquirido não seria determinado pela realidade, mas pela impressão que ela nos causa. O conhecimento se torna assim puramente subjetivo, podendo variar de acordo com o tipo intelectual, a capacidade, as circunstâncias, e mesmo as necessidades de quem o adquiriu. Aquilo que é verdade para mim pode não ser verdade para outro, que pode tomar por falso o que tomei por verdadeiro. Seriam inexistentes o conhecimento absoluto e a verdade absoluta, isto é, independente das condições subjetivas de quem os conheceu.
De acordo com o pensamento lógico, duas afirmações contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, o que na prática se denomina senso de contradição. Quem não seja alienado mental sabe que um hipopótamo não é um avestruz, por exemplo. Mas o relativista radical afirma que uma pessoa pode entender de uma forma, e outro de outra forma.
Expandindo-se para além da esfera filosófica, o relativismo penetrou em outros campos, como o moral e o religioso. Pode-se afirmar que ele domina a mentalidade contemporânea, e a consequência é a perda do senso de contradição. O senso de contradição só existe em nós quando aceitamos a existência de verdades que se impõem pela própria realidade. Por incrível que pareça, o relativista se considera dono da verdade, ao mesmo tempo que nega a existência da verdade. Para ele, a verdade absoluta é que não existem verdades absolutas. Haja contradição!…
Negação dos preceitos morais
Se não há distinção entre verdade e erro, entre bem e mal, não há matéria para o senso de contradição, e uma decorrência da falta desse senso são posições antagônicas coexistindo nas almas. Leis morais transcendentes, por exemplo, deveriam se impor a todos os seres humano, mas o relativismo nega a existência de tais leis. Daí a aceitação e incentivo ao hedonismo, liberando para todos o prazer pessoal e egoísta, ao invés de cultivar valores superiores como a obediência a Deus e o amor ao próximo. Usufruir o prazer tornou-se a finalidade da vida, ao contrário de amar e servir a Deus.
A influência do relativismo na esfera religiosa resulta na afirmação de que todas as religiões são boas (dá no mesmo afirmar que todas são ruins), uma espécie de consenso no ecumenismo moderno, e é preciso aceitar todas as pessoas do jeito que elas são. No campo moral, o resultado é a negação dos preceitos morais, ou pelo menos daqueles que mais importunam os libertinos, ecumenistas e relativistas.
Abominável ofensa a Deus
Nesse estado se encontra a mentalidade moderna, e dela participam muitos católicos. Afirma-se a existência de Deus por meio de palavras, mas ela é negada nas obras. Fica-se indiferente diante de tantos pecados, blasfêmias e profanações, como se ninguém estivesse sendo ofendido com tudo isso. Quando tomam alguma posição, as pessoas o fazem pela metade: alguém se diz católico, mas em seguida tolera a heresia; defende um ponto da moral, mas nega outro em seguida. Ao negar a existência de uma verdade absoluta, em última análise o relativista nega a existência de um Deus verdadeiro e imutável. Um modo de fazê-lo consiste em simular uma atitude de indiferença, como quem diz: “Deus não faz bem nem mal”.
A verdade e o erro são aceitos, como se não houvesse oposição entre ambos. Mas o Apocalipse é implacável com essa posição de pessoas que parecem adeptas da que foi denominada “igreja de Laodiceia”: “Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente; oxalá fosses frio ou quente”. E depois de assim definir bem tais pessoas, define melhor ainda o que lhes acontecerá: “… mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te” (Apoc. 3, 15-16). É bom nos precavermos…
Retorno à casa paterna
E Deus, como fica? Nada menos do que destronado, expulso do universo que Ele mesmo criou. Vê seus filhos indiferentes à sua existência, nessa coexistência pacífica entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro. Quão imensa é a dor de um pai expulso de sua casa pela própria família! Um Pai que é a Inocência e a Verdade encarnadas para a Redenção dos homens! Assim se encontra Deus no mundo de hoje.
Essa mentalidade relativista impregnou de tal forma as almas, que a reversão desse quadro só será possível por meio de um imenso e merecido castigo, seguido de completo arrependimento e de uma prodigiosa graça de Nossa Senhora. Não se pode colocar vinho novo num odre velho, antes de esvaziá-lo e extinguir o odor do vinho velho. Assim também, é necessário nos desapegarmos da mentalidade nefasta de nosso século, antes de sermos vivificados pela graça extraordinária de uma grande conversão.
Como fazê-lo? Como nos desapegarmos dessa mentalidade? Por meio da quebra de tudo aquilo que nos mantém atrelados a esse estado de coisas.
Uma longa doença prepara o moribundo, naturalmente apegado à vida terrena, para a noção clara de que comparecerá diante de Deus. Não será a situação caótica de nossos dias comparável a uma enfermidade fatal, que nos deve preparar para comparecermos diante de Deus? Não será ela o prenúncio de um novo mundo que deverá nascer das ruínas deste em que vivemos? A própria Mãe de Deus nos alertou em Fátima para o enorme castigo que cairia sobre o mundo, se ele não se convertesse.
Para além dos catastróficos dias que virão, há a promessa da vitória. E é com os olhos nessa promessa da Santíssima Virgem que, esperançosos, devemos atravessar esses dias terríveis que nos conduzirão de volta Àquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
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