Por: Plinio Corrêa de Oliveira
A ignorância religiosa em que vivemos tem produzido, entre outros efeitos nocivos, o de desvirtuar inteiramente o significado real de algumas determinações da Igreja que, quando mal interpretadas, são inteiramente estéreis de frutos espirituais, e quando bem compreendidas, são férteis em graças e proveitos de toda a ordem.
É o que se dá, por exemplo, em relação ao culto de São José que, proposto pela Igreja como modelo dos chefes de família e dos operários, é também, pelo imenso acervo de virtudes com que foi enriquecido pela graça, modelo ideal de todas as grandes virtudes católicas.
A maioria dos católicos, porém, não pensa seriamente em tomar São José como seu modelo. De um lado, a imensa santidade do Pai (jurídico) de Jesus, a quem a Igreja cultua com a suprema dulia (*), parece um ideal absolutamente inatingível. De outro lado, a fraqueza humana de que nos sentimos repletos, solicitada por toda sorte de inclinações, nos afasta por tal forma de qualquer ideal espiritual, que julgamos muito já ter feito quando nos libertamos do jugo do pecado mortal e venial, e vivemos uma vida espiritual estacionária, relativamente suave, pois que se limita à conservação do terreno conquistado, mas inteiramente estéril para a Igreja e para a maior glória de Deus.
A Igreja certamente não pretende que seus filhos igualem em glória e em virtude àquele que, depois de Maria Santíssima, foi o mais elevado expoente de virtudes da humanidade.
Por outro lado, porém, Ela não quer de modo algum que limitemos nossos horizontes espirituais a uma vida piedosa banal, amesquinhada pela errônea ilusão de que seria falta de humildade aspirar-se à santidade que brilhou no gênio de São Tomás, na combatividade de Santo Inácio, no recolhimento de Santa Teresa e na caridade de São Francisco.
A Igreja desmascara esta falsa humildade, apontando nela ou um pretexto especioso da covardia espiritual, ou uma concepção orgulhosa da virtude, considerada mais como fruto do esforço humano do que da misericórdia de Deus. E, ao mesmo tempo, Ela se serve do exemplo de seus grandes santos para “levantar ao alto” nossos corações (“sursum corda”, da liturgia da Santa Missa, n.d.c.), indicando-nos que a única preocupação real desta vida, o único problema verdadeiramente importante de nossa existência, é a aquisição daquela perfeição espiritual que será o único patrimônio que conservaremos, a despeito das crises financeiras, das comoções sociais e da fragilidade das coisas humanas, para, finalmente, transpormos com ele os próprios umbrais da eternidade.
É disto exemplo frisante o grande São José.
Nascido de família ilustre, arrasta, no entanto, uma existência obscura que, contrastando com o brilho de seu nome, o colocou na mais baixa camada da sociedade de seu tempo.
Escasseiam-lhe os dotes naturais com que os homens se fazem grandes. Não dispõe de exércitos nem de súditos que levem ao longe a glória de seu nome. Não dispõe do dinheiro com que galgar às altas posições. Vive humilde e desprezado, à sombra do Templo majestoso que erguera David, e no próprio país em que reinara a sabedoria de Salomão.
No entanto, brilha nele a chama da caridade. Um intenso amor de Deus, uma espiritualidade e uma vida interior admiráveis fazem de sua alma objeto da complacência da Santíssima Trindade, e este homem humilde é chamado a coparticipar de modo direto em acontecimentos dos quais decorreriam os mais notáveis fatos da História do mundo.
A Redenção do mundo, que é o fato central de toda a nossa História, determinou a queda do paganismo, o aparecimento e o triunfo da Igreja Católica, a implantação de uma civilização baseada em concepções inteiramente novas da família, do Estado, do indivíduo e da Religião, que foram os fatos iniciais e a causa do grande progresso que hoje admiramos.
A família pagã, transformada e sobrenaturalizada pelo contato com os Sacramentos da Igreja, transformou-se em foco admirável de perfeição espiritual e em escola austera da disciplina dos instintos inferiores.
O Estado pagão, transformado em sua base pelo Catolicismo, deixou de ser privilégio de plutocratas ou demagogos, para ser antes de tudo um admirável meio de distribuição eqüitativa da justiça e proteção a todos os indivíduos.
O indivíduo, que no paganismo era presa de suas paixões, viu abrir-se diante de si o admirável ideal de perfeição espiritual pregado pelo Homem-Deus, e o homem medieval, descendente dos sibaritas da Antigüidade, se transformou no cruzado, no asceta ou no filósofo cristão.
A Religião, enfim, conseguiu trazer ao mundo, com seus Sacramentos, com a graça de que é veículo, e com o admirável apostolado hierárquico da Igreja, uma continuidade de ação santificadora que tem sido a coluna da civilização, e que é ainda hoje o único obstáculo contra a ação invasora do comunismo, como o foi contra as invasões bárbaras ou muçulmanas.
Todos esses acontecimentos gloriosos tiveram sua origem na Redenção. São José, pela admirável correspondência à graça com que se distinguiu, colaborou de modo eminente no plano divino da Redenção. E, como tal, é merecedor de grande parcela da glória que, legitimamente, cabe ao Divino Salvador, pela imensidade de benefícios com que nos cumulou.
Vemos, pois, a admirável fecundidade de uma vida que todas as circunstâncias naturais tendiam a tornar estéril. Vemos a prodigiosa capacidade de ação da santidade que, no recolhimento e na humildade, colaborou diretamente em acontecimentos muito mais importantes e teve uma participação incalculavelmente mais notável em toda a História da humanidade do que Alexandre com seus exércitos, Kant com seu saber arrogante, ou Maquiavel com sua diplomacia astuta e amoral.
Vida interior, portanto. Vida interior intensa, constante, ilimitadamente ambiciosa, no sentido espiritual da palavra, eis a grande lição que a festa de São José nos deixa.
Congregados marianos, intimamente unidos a Nossa Senhora como o foi São José, a grandeza da lição não deve desanimar a escassez de nossas forças, pois que devemos exclamar como encorajamento: Omnia possum in eo qui me confortat (“Posso tudo nAquele que me dá forças”, Phil. 4, 13).
(*) Entre os santos, o culto a São José vem em primeiro lugar; é por isso chamado pelos teólogos de protodulia (proto=primeiro), para distinguir da simples dulia prestada aos demais santos. Acima dele está o culto a Nossa Senhora, que por isso mesmo recebe o nome de hiperdulia, só inferior ao culto devido a Deus, que é o de latria.
Legionário, N.º 116, 26 de março de 1933, pag. 4
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