Carlos Sodré Lanna
A maior festa religiosa católica do Brasil e uma das maiores do mundo
No segundo domingo de outubro realiza-se anualmente em Belém do Pará uma grande procissão do Círio de Nazaré. Na realidade, as celebrações começam uma semana antes e terminam uma semana depois.
Círio tem sua origem na palavra latina cereus, que significa vela grande, tendo sua festa no Pará sido declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em dezembro de 2013.
Segundo uma antiga tradição, a imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, venerada na cidade portuguesa do mesmo nome, teria saído no ano 361 de Nazaré da Galileia, onde a esculpira o próprio São José, na casa onde morava a Sagrada Família. Entalhada em madeira escura, a Virgem Maria aparece sentada, com o Menino Jesus ao colo.
Identificada como original desde os primeiros séculos do cristianismo, a histórica imagem percorreu a Cristandade a partir de Israel, indo parar nas mãos de São Jerônimo que, temeroso por sua segurança devido aos ataques dos inimigos da fé católica, enviou-a a Santo Agostinho no Norte da África. Mais tarde ela foi ter nas mãos dos monges agostinianos, que a levaram para Mérida, na Espanha. Por ocasião das invasões muçulmanas em terras hispânicas, ela foi escondida em um local de difícil acesso, ficando ali esquecida durante muito tempo.
Posteriormente, devido a uma batalha, no ano 711 a imagem foi retirada de seu esconderijo e levada para Nazaré, em Portugal, onde também permaneceu escondida por um longo período no Pico de São Bartolomeu.
Em 1182, o nobre português Dom Fuas Roupinho participava de uma caçada naquele pico. Ao perseguir um cervo, seu cavalo esteve a ponto de cair em um precipício, quando ele invocou Nossa Senhora e foi salvo [quadro ao lado]. Em ação de graças, mandou edificar no local a Capela da Memória, onde os operários encarregados da construção descobriram a imagem. A notícia se espalhou, atraindo muitas pessoas, que passaram a acorrer ao local para venerá-la, operando-se muitos milagres.
Este episódio está imortalizado em um dos vitrais da Basílica do Belém do Pará, onde um cavaleiro aparece perseguindo um cervo que cai em um precipício.
Em 1377, Dom Fernando (1367-1383), Rei de Portugal, construiu um templo maior, o Santuário de Nossa Senhora de Nazaré [foto acima], para onde a imagem foi transferida. Desde então, na data no dia 8 de setembro de cada ano, os portugueses se reúnem no local para celebrar o Círio de Nazaré.
A devoção à imagem cresceu com os milagres e graças alcançadas por seu intermédio. Diante dela rezou São Francisco Xavier antes de partir para o Oriente, e foram os padres jesuítas, seus irmãos de hábito, que trouxeram sua devoção para o Brasil em 1653.
Nossa Senhora de Nazaré no Brasil
A imagem de Nossa Senhora de Nazaré venerada em Belém do Pará [foto ao lado] é semelhante àquela celebrada no Círio português. Segundo antiga tradição, transcorria o ano 1700 quando o jovem Plácido José de Souza, andando pelas margens do igarapé de Utinga, onde se ergue hoje a Basílica Santuário em Belém do Pará , encontrou entre pedras e entulhos a pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré.
Esculpida em madeira e com 28 cm de altura, Plácido a levou para casa, limpou-a e colocou-a em um altar improvisado. Conforme as narrativas da época, a imagem retornou várias vezes, sem explicação, ao local onde fora encontrada. Percebendo Plácido que se tratava de um desígnio sobrenatural de Nossa Senhora, promoveu então a construção ali de uma capela para abrigá-la.
A divulgação deste milagre chamou a atenção não só dos habitantes da região, que frequentavam a capela para rezar, mas também do governador da capitania, Francisco Coutinho, que ordenou a remoção da imagem para a capela do palácio da cidade. Como sucedera com Plácido, a imagem também desapareceu mais de uma vez do palácio do governador para voltar ao nicho de sua capela. Desta maneira a devoção adquiriu um caráter oficial, tendo sido construída no mesmo local uma igreja, que se tornou hoje a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré de Belém.
Em 1773, o Bispo do Pará colocou a cidade de Belém sob a proteção de Nossa Senhora de Nazaré. Mandada a Portugal no início de 1774 para ser submetida a uma restauração, por ocasião de sua volta, ocorrida no mês de outubro do mesmo ano, a imagem foi levada em romaria pelos fiéis do porto até o santuário, com a participação do governador, do bispo e de autoridades civis e eclesiásticas, sob a escolta de tropas militares. Este foi considerado o primeiro Círio de Nazaré.
As festividades do Círio em Belém
As comemorações anuais do Círio em Belém compõem-se de várias etapas, que se estendem por quinze dias, perfazendo um total de 12 procissões oficiais. O principal evento ocorre no segundo domingo de outubro com a grande procissão do Círio, que tem reunido mais de dois milhões de pessoas na capital do Pará, hoje com um milhão e meio de habitantes.
Conforme a tradição, ela sai bem cedo da Catedral de Belém e percorre cerca de cinco quilômetros até a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, percurso que pode durar até nove horas, como já ocorreu devido ao enorme número de participantes, ficando ali exposta para veneração pública durante quinze dias, na chamada Quadra Nazarena.
Nesta procissão aparece um número enorme de pagadores de promessas oriundos de lugares distantes do Brasil, sobretudo do Norte e do Nordeste, que em sinal de agradecimento pelas graças e curas recebidas levam casas em miniatura, partes do corpo humano feitas com cera, sinais de milagres e miniaturas de barcos, sendo os círios e as velas os mais comuns.
Durante todo o percurso a imagem de Nossa Senhora de Nazaré é objeto de grandes homenagens de todos os presentes, como chuvas de papéis picados, foguetes e fogos de artifícios, flores variadas, palmas vibrantes, diversos cânticos, executados até por corais e orquestras.
Existe também o costume de preparar comidas típicas da Amazônia e região para os participantes das celebrações, as quais são postas em barracas próximas das maiores concentrações de público.
As diversas romarias do Círio de Nazaré
São 12 as procissões oficiais das celebrações do Círio de Nazaré:
1) Translado em carro aberto da Basílica de Nazaré para Ananindeua-Marituba;
2) Romaria rodoviária em direção à Vila de Icoaraci, distrito de Belém;
3) Romaria fluvial [foto ao lado] durante a qual a imagem é levada de barco pela baía de Guajará em direção a Belém; 4) Moto-romaria do cais de Belém, na qual a imagem, em carro aberto, é seguida por motoqueiros até um colégio no centro de Belém, onde é celebrada uma missa;
5) Transladação à noite, antes do Círio, à luz de velas, na Berlinda, carro da imagem de Nossa Senhora;
6) Procissão do Círio, auge dos festejos, que tem reunido mais de dois milhões de participantes nos últimos 12 anos;
7) Ciclo-romaria, a mais nova das procissões, que acontece desde 2004, a pedido da Federação dos Ciclistas do Pará;
8) Romaria da juventude, comunidades de jovens das paróquias que veneram a Rainha da Amazônia;
9) Romaria das crianças, para fortalecer a devoção mariana e nas quais elas vão acompanhadas dos pais;
10) Romaria dos corredores, procissão em forma de corrida lenta, para acompanhar a imagem de perto; 11) Procissão da festa, organizada pela diretoria das festividades de Nazaré e comunidades da Basílica Santuário;
12) Recírio, procissão de despedida realizada duas semanas após o Círio.
Os símbolos do Círio de Nazaré
As celebrações do Círio apresentam vários objetos simbólicos, os quais podem ser vistos durante todas as procissões.
A Berlinda [foto à esquerda], que transporta a imagem de Nossa Senhora, é por causa disto o centro de todas as atenções no decurso dos 15 dias de festejos.
A conhecida corda de sisal torcido [foto à direita], com duas polegadas de diâmetro e 400 metros de comprimento, ligada à berlinda e puxada pelos fiéis durante a procissão, passou a ser o elo entre Nossa Senhora de Nazaré e os fiéis.
O manto da imagem de Nazaré é considerado um dos mais importantes símbolos do Círio. Anualmente é apresentado dele um novo modelo, confeccionado com material importado da melhor qualidade, fruto de doações anônimas.
Outro símbolo são os carros dos milagres e de promessas, que vão recolhendo dos devotos relatos e demonstrativos dos milagres e graças alcançados pelos fiéis da Virgem de Nazaré.
Chamam muito a atenção, de um lado as inúmeras crianças vestidas de anjos nas procissões, e de outro os foguetes e fogos de artifícios que são usados durante o percurso pelas ruas e avenidas da cidade de Belém.
Outra tradição são os cartazes espalhados pela cidade anunciando as festas e os almoços, as reuniões de famílias e os pratos típicos da culinária da região, além das barraquinhas existentes na praça em frente à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré.
Em 2005 participaram do Círio dois milhões de pessoas, número que desde então só tem aumentado, chegando em 2017, quando de sua 225ª procissão, a um total de 2,5 milhões de participantes.
Que Nossa Senhora de Nazaré abençoe sempre o Brasil precisando da proteção divina nesses momentos
pelas crises que estamos passando. Uma devoção que veio da Sagrada Família com São José esculpindo a imagem da Virgem Maria e nos indicando os rumos da Civilização Cristã para o nosso país..